Paulatinamente adquiriu características mais formais, passando a ser ministrada em espaços hoje denominados escolas. Com isto perdeu muito de sua essência, sendo uma das razões para o fenômeno da aversão natural que os alunos têm a esse ambiente educativo.
No entanto, ambas as modalidades continuam caminhando lado a lado. É esta temática que o livro de Brandão (1994), aqui brevemente resenhado, intitulado O que é educação? aborda, trazendo reflexões ainda atuais, apesar do tempo passado.
O livro tem seu conteúdo distribuído em dez capítulos intitulados: 1) “Educação? Educações: aprender com o índio”; 2) Quando a escola é a aldeia; 3) Então, surge a escola; 4) Pedagogos, mestres-escola e sofistas; 5) A educação que Roma fez, e o que ela ensina; 6) Educação: isto e aquilo, e o contrário de tudo; 7) Pessoas versus sociedade: um dilema que oculta outros; 8) Sociedade contra Estado: classe e educação; 9) A esperança na educação; 10) Indicação de leituras complementares.
Ninguém escapa do processo educacional, pois a educação (ou
educações) permeia todos os ambientes ocupados pelo ser humano. E, como são
diversos ambientes, culturas e os próprios homens, a educação se adéqua às
necessidades desses grupos humanos.
Brandão discute também dois vieses importantes: o poder e a fraqueza
da educação. No primeiro a educação está a serviço da construção dos tipos de
sociedade levando em conta, ou melhor, solidificando suas crenças, idéias,
qualificações e especialidades. Na segunda ela se torna instrumento de
dominação quando o professor, na maioria das vezes inconsciente, dissemina
ideias e interesses políticos.
Para Brandão, a educação independe de um modelo de ensino formal e
centralizado, acontece espontaneamente. Tomando o processo educativo das
aldeias como referencial, ele introduz algumas ideias, tais como:
1. Só acontece a educação em um ambiente humano de trocas;
2. Há intencionalidade, ou seja, ela sempre visa a algum fim,
sobretudo a moldar o homem para viver em sua sociedade;
3. situações de aprendizagem onde se aprende pela observação e
execução de atividades vitais, tais como caça, pesca, fabrico de armas e utensílios,
etc.
Nesse ambiente não há imposição, o aluno busca o mestre que são os
adultos experientes. Existem situações pedagógicas interpessoais
familiares e comunitárias. A esse processo global chama de “socialização”
através do qual as pessoas adquirem sua identidade cultural; ao processo de
aquisição pessoal desses valores dá o nome de endoculturação.
Ao introduzir a ideia de “educação escolar”, ele explica
que esta se contrapõe àquela educação comunitária da aldeia, na qual todos
os ambientes naturais criavam situações pedagógicas. Entra em cena um novo
espaço para o aprendizado chamado escola. Nessa nova situação a oferta do saber
é desigual, pois visa a atender as demandas de uma divisão social do trabalho
entre classes desiguais, em que pessoas “diferentes” recebem “educações
diferentes”, e uns poucos são ensinados a pensar como senhores e os demais como
escravos.
Fazendo uma incursão ao passado, o autor traz para o seu universo
de argumentação o modelo grego de educação. Esta é apresentada com uma dupla
característica:
1) O ensino para o “fazer”, denominado tecne, relegado a
trabalhadores manuais, livres ou escravos; e,
2) O ensino para o “viver”, denominado “teoria”, destinado a
formação do homem para a participação plena da polis, a este segundo tipo de
educação eles chamavam paideia.
Três categorias de educadores de grande importância nesse processo
educativo foram: Os mestres-escola, que lecionavam as primeiras letras e contas
em “lojas de ensinar”, que começaram a aparecer em torno de 600 a. C., que
atendiam a crianças livres plebéias e livres nobres. Os pedagogos, que eram
escravos encarregados de conduzirem as crianças à escola e, por conviverem com
elas, eram seus principais educadores. Só a partir de Sócrates a educação passa
a ser pensada como formadora do espírito.
Com os filósofos sofistas a educação começou a ser
"democratizada", no sentido em que quem tivesse como pagar poderia
ter acesso. Essa educação oferecida pelos sofistas dava ênfase à oratória e a
legislação visando a um “preparo do homem para o exercício da cidadania”. Os
gregos usavam a escola como um artifício para que aqueles que estivessem longe
da pátria por causa das guerras de conquista não perdessem sua própria cultura
por causa da influência da cultura dos povos dominados.
São discutidos pontos convergentes entre o tipo de educação
praticado por Roma e o praticado pela Grécia, aquela recebendo forte influência
desta. Apresenta o início da escola pública em um modelo muito semelhante ao
que temos hoje, quando se leva em conta os vários níveis pelos quais as
crianças passam até completar o ciclo do ensino básico.
Trazendo conceitos de educação a partir de dicionários e da
legislação afim (Lei 4024 de 20 de dezembro de 1961), ele conclui que educação,
do ponto de vista da legislação, não encontra eco na prática. Tem sido mais
idealizada e ideológica do que prática. O discurso difere da prática. Os
direitos elencados na legislação não têm sido observados, ou, quando
observados, não recebem a devida importância.
Discute a educação como uma prática social atrelada a exigências,
princípios e controles sociais. Que apesar das conceituações apresentarem os
fins da educação como o desenvolvimento de competências individuais, na
prática, visa a atender as demandas da vida em sociedade.
Lançando mão de ideias de pensadores como Durkheim, ele argumenta
que os sistemas de educação são impostos aos indivíduos e não existe uma
espécie de educação universal nesse contexto. Questiona: “Não existirão classes
sociais capazes de impor uma educação (...) para seu próprio benefício?”.
Posicionando-se contra a verdade contida nesse questionamento, ele defende que,
a educação, para mudança que a dinâmica social requer, deve ser despida de
dogmatismos. Tem que haver o espaço para a dialética.
Apresenta a educação como um instrumento/meio de mudanças sociais,
todavia, ele assegura que, enquanto a educação for determinada pela “estrutura”
dominante, essa mudança dificilmente ocorrerá; a isto ele chama de “utopismo
pedagógico”. Para ele a educação deve ser pensada e programada.
Também chama a atenção para palavras e expressões como:
“investimento”, “mão-de-obra”, “preparação para o mercado de trabalho”, que
permeiam as concepções correntes sobre educação, como sendo a expressão de
interesses político-econômicos.
Dessa forma, reafirma o uso, pela elite dominante, do aparato
pedagógico, para atender a seus próprios interesses, apesar do discurso de
democratização e socialização do ensino. Dessa forma, esse modelo que aí está
reproduz e consagra a desigualdade social.
Por fim, o autor retoma a ideia de que a educação está
em todo lugar e tem suas regras próprias de aquisição e repasse do
conhecimento para outras gerações, seu poder de adaptação às mudanças
constantes da dinâmica social e seu valor para os que a vivenciam,
contrapondo-a a ideia de um espaço físico limitado chamado “Escola”, com suas
regras, princípios e finalidades impostos, e que não consegue acompanhar a
dinâmica da vida social, por isto mesmo rejeitada, resistida e suportada.
Apesar de tudo o autor afirma sua esperança na educação, principalmente pelo
fato de ser ela inevitável.
É interessante notarmos como os argumentos, as queixas, as
denúncias de Brandão, continuam bem atuais, apesar do tempo decorrido desde a
publicação do seu trabalho.
É curioso perceber como o tratamento desrespeitoso aos professores
das “primeiras letras” tem sido perpetuado por nossa sociedade. Na Grécia
antiga eles eram considerados “desprezíveis” mestres-escola, hoje são os seus
salários baixos e a pouca importância que lhes é atribuída que ecoam essa
expressão pejorativa.
Em consonância com o pensamento de Brandão, entendo que um dos
grandes equívocos na educação brasileira é a falta de política de Estado nessa
área. Isto implica que, bons e eficazes projetos iniciados em um governo, ou
perdem o “fôlego” paulatinamente, ou são golpeados definitivamente assim que o
próximo governo assume.
Além disso, comete-se o erro de se implementar projetos ou
políticas educacionais sem levar em conta as grandes diferenças regionais e
culturais de um país com as dimensões que tem o Brasil. Portanto, pode-se
concluir que a educação no Brasil não tem sido pensada, planejada e programada
de forma apropriada.
Acredito ainda, que, apesar do panorama crítico da educação, no
que diz respeito à sua imposição como um produto acabado, e que deve tão
somente ser posto em prática, começa, ainda que de forma tímida, a ser mudado.
Um exemplo dessa mudança é a concepção de “Gestão Democrática” que
tem sido até tema de dissertações e teses. Por outro lado, nem os próprios
educadores nem os pais dos alunos e demais funcionários estão acostumados a
essas novas visão e postura. A centralização e rígida hierarquia do nosso
sistema de governo ainda é uma influência muito forte em nossa maneira de pensar.
Certamente, esse movimento no sentido da democratização e melhoria
da qualidade do ensino no Brasil só tem sido possível devido às vozes que têm
se levantado para denunciar esse domínio político-financeiro, a exemplo de
trabalhos como este de Brandão.
REFERÊNCIAS E CRÉDITOS
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação? São Paulo: Brasiliense, 1984 (Resenha).
Fonte da Foto ilustrativa