quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Respeitando os limites cognitivos das crianças

Fonte
Piaget (1896 - 1980), Vigotisky (1896 - 1934), Carl Rogers (1902 - 1987), dentre outros pesquisadores da área de psicologia deram contribuições inestimáveis nesse campo do conhecimento humano. Suas teorias têm sido amplamente aplicadas à educação ao longo dos anos. Embora com focos diferentes e até mesmo algumas conclusões divergentes, é possível considerar seus estudos complementares entre si. Todos, no entanto, concordam no que o “senso comum” já ensinava: as crianças se desenvolvem obedecendo a fases, não só operativas, mas também cognitivas. Há operações cognitivas e operativas, por exemplo, que crianças de uma determinada faixa etária não conseguem dar conta, não porque sejam menos inteligentes do que outras, mas porque seu desenvolvimento psíquico e motor não atingiu ainda o estágio necessário para aquela determinada habilidade. Portanto, não se deve forçá-las a aprender coisas para as quais não estão preparadas, simples assim.

Infelizmente, muitos pais e professores, no afã de transformar seus filhos e alunos em pequenos gênios ou de “melhor prepará-los” para as demandas da sociedade moderna, acabam por atropelar essas fases e desprezar todo o conhecimento produzido nessa área a partir de estudos científicos sérios e competentes, trazendo-lhes sérios danos psicológicos e uma relação não muito amigável com os estudos, porque lhes impõe um estresse desnecessário e contraproducente.

Nos Estados Unidos, por exemplo, atualmente há uma acirrada discussão, com fortes críticas à inadequação do Currículo Oficial Padrão[1] para o ensino de crianças da educação infantil[2] que as escolas, sobretudo as públicas, são obrigadas a adotar. Essas diretrizes curriculares foram elaboradas, conforme críticas, por pessoal não especializado na área e sem a participação dos operadores da educação com o objetivo de, já nas séries iniciais, desenvolver competências úteis para sua vida acadêmica futura, conforme acreditam. A partir dessa perspectiva, elevaram tanto a complexidade das habilidades esperadas dessas crianças, que tem gerado uma verdadeira revolta nos pais e professores.

Por essa razão, o BostonParentsPaper em um artigo intitulado “O Currículo Oficial Padrão tem levado nossas crianças ao fracasso escolar?”[3] sustenta que esse currículo é incompatível com o desenvolvimento das crianças, pelas razões a seguir apresentadas e que servem para nossa reflexão quando se trata de planejar o ensino para crianças:

1. Possui um padrão muito elevado para a faixa etária alvo, pois foi elaborado com base no que é requerido no Ensino Médio. Isso tem resultado em padrões inadequados à maneira como as crianças se desenvolvem, pensam ou aprendem. Com frequência, requer-se que aprendam fatos e desenvolvam habilidades para as quais não estão preparadas. Como resultado, as diversas necessidades da criança, como um todo, são, frequentemente, desconsideradas – especialmente o desenvolvimento cognitivo, social, emocional e físico, que acontece a partir de experiências diretas nas atividades práticas, aulas de arte, de música, dentre outras. Essas atividades constroem os fundamentos essenciais que as crianças necessitam, mais tarde, para o aprendizado efetivo de habilidades acadêmicas.

2. Assume, erroneamente, que todas as crianças se desenvolvem e aprendem no mesmo ritmo e da mesma forma. O currículo “Modelo Padrão para Todos” falha em reconhecer que cada criança percebe e aborda o mundo de diferentes formas: com frequência, elas pegam caminhos diferentes para chegar ao mesmo lugar. Por exemplo, a idade média em que as crianças começam a andar é de doze meses, porém, algumas crianças começam a andar aos nove e outras não conseguem até os quinze – o que é considerado normal. No entanto, pessoas que aprendem a andar cedo não andam melhor do que as que aprendem mais tarde.

3. Sua avaliação é feita usando-se, com muita frequência, instrumentos inapropriados. Exige-se dos estados, por exemplo, que utilizem testes em computador. Isso tem levado ao uso obrigatório desse equipamento em uma idade precoce, e à má relocação de fundos para a compra desses equipamentos e para a infraestrutura de internet  necessária nas escolas.  A avaliação de crianças deveria ser informal e levar em conta a natureza ampla em que está baseado seu aprendizado e não em competências isoladas, bem como a variação natural de seu desenvolvimento em todas as áreas de seu crescimento e desenvolvimento.

4. Foi elaborado sem a participação de professores e educadores dessa faixa etária. Quando o currículo foi lançando pela primeira vez, mais de 500 profissionais da educação infantil apresentaram um abaixo assinado se opondo a ele, argumentando que demandaria longas horas de instrução direta e a utilização de mais testes-padrão, esvaziando atividades importantes e aprendizado baseado em jogos.

5. Carece de fundamentação teórica, pois não foi elaborado a partir de estudos conhecidos e de longo prazo sobre o desenvolvimento infantil. Não existem pesquisas convincentes mostrando que determinadas competências ou determinados conhecimentos, tais como contar até cem no jardim de infância levam ao sucesso escolar, mais tarde. Não existem pesquisas de como treinar eficazmente os professores para implementarem o Currículo. Além do mais, não foi realizado um teste-piloto e não há sinais de pesquisas em andamento ou revisão de seu impacto nas crianças e na educação infantil.

6. Não considera as necessidades das crianças da atualidade. Elas aprendem melhor quando seu cognitivo, social, emocional e físico estão engajados no processo de aprendizagem. Trabalhos manuais, atividades baseadas em jogos com materiais que podem ser utilizados de múltiplas formas, engajam a criança, como um todo, na solução de problemas. Um currículo focado em padrões e objetivos acadêmicos discretos, como o que se vê nas escolas hoje, compartimentam o aprendizado, de forma que não atendem às demandas do aprendizado infantil.

Muitas crianças de hoje são superexposta a equipamentos eletrônicos e telas de computador e superatarefadas, de tal forma, que lhes falta oportunidade para atividades livres e não programadas, especialmente brincadeiras externas, na natureza. Essa redução na qualidade do momento de diversão tem resultado em deficiências em muitas habilidades fundamentais essenciais, que são desenvolvidas através de brincadeiras, tais como: processos mentais, autocontrole, persistência, criatividade, solução de problemas, e flexibilidade. Portanto, para desenvolver uma base sólida que permita um melhor aprendizado mais tarde, a qualidade das experiências de jogos, brincadeiras em tenra idade e professores que sejam facilitadores qualificados para conduzir essas atividades são necessários hoje mais que nunca.

Para suprir essa carência há algumas dicas para os pais seguirem:

  • Disponibilize espaço e tempo para que as crianças brinquem em casa e na vizinhança, sem telas (de computadores);
  • Leia livros infantis de qualidade e limite o tempo de exposição ao computador;
  • Evite reforçar a agenda da escola com muitos exercícios, substituindo-os com oportunidade de aprendizagem significativa.


Fica uma reflexão: 


Se nos EUA a preocupação é com o nível elevado e até incoerente do Currículo Oficial para as crianças, apontado como um grande complicador e mesmo responsável pelo fracasso escolar, o que dizer do Brasil? Quanto a isso, a lista de perguntas é enorme, por exemplo: o que há de errado no ensino em nossas escolas, não só públicas como também da rede privada, que tem resultado, a cada ano, em um número tão elevado de analfabetos funcionais? Será que nossos currículos apresentam um padrão tão elevado que não pode ser acompanhado pelas crianças e adolescentes? Seria o despreparo e/ou sobrecarga dos professores? Nesse sentido, sabe-se que um grande número necessita dar aulas em várias escolas para ter um salário que atenda suas necessidades. Seria a superlotação das salas? 







[1] “Common Core State Standard”
[2] Kindergarten

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