sábado, 29 de junho de 2013

As três economias do welfare state

Resenha

ESPING-ANDERSEN, Gosta. As três economias políticas do welfare state. In: The three worlds of welfare state. Princeton, Princeton University Press, 1990. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo.

Segundo Esping-Andersen, o debate sobre o welfare state procura verificar se a extensão da cidadania social diminui a distinção de classe; ou seja, se “o welfare state pode transformar fundamentalmente a sociedade capitalista”; e, quais as forças motivadoras do desenvolvimento do welfare state. (p. 85). A partir dessa problemática,  o autor inicia sua discussão sobre o tema apresentando um resumo ideológico da economia clássica. (p. 85 – 90).

Ele observa que os economistas clássicos preocupavam-se com o relacionamento capitalismo versus bem-estar social, explicando que “[...] suas análises convergiram para o relacionamento entre mercado (propriedade) e Estado (democracia)”.

O mercado, para os economistas liberais, com base em Adam Smith,“[...] era o meio superior para a abolição das classes, da desigualdade e do privilégio”. (p. 85 – 86). Por essa razão, os economistas liberais advogavam o mínimo de intervenção do Estado.

Uns buscavam apoiar esse posicionamento, dando ênfase no elemento laissez-fare, (ou seja, deixar que as coisas acontecessem espontaneamente), portanto, a rejeição a “qualquer forma de proteção social [pelo Estado] além dos vínculos monetários”; outros, advogavam pequenas doses de regulamentação política. Porém, todos concordavam no “máximo de mercados livres e o mínimo de interferência estatal”. (p. 86).

Essa postura radical era fruto de um contexto em que o “Estado preservava privilégios absolutistas, protecionismo mercantilista e corrupção por toda parte [...] reprimia tanto seus ideais de liberdade quanto de iniciativa”. (p. 86).

Os liberais temiam a democracia por acreditarem que ela “Usurparia ou destruiria o mercado”, bem como ameaçaria o direito de propriedade. Pensadores da escola histórica alemã, por exemplo, defendiam a “Perpetuação do patriarcado e do absolutismo como a melhor garantia possível, em termos legais, políticos e sociais de um capitalismo sem luta de classes”. (p. 87). Acreditavam que “Um Estado autoritário seria muito superior ao caos dos mercados no sentido de harmonizar o bem do estado, da comunidade e do indivíduo.” (p. 87). Ainda dentro dessa concepção, havia os que advogavam um “welfare state monárquico” (p. 87). “Que garantiria o bem-estar social, harmonia entre as classes, lealdade e produtividade”. (p. 87).

Por conta dessas convicções teóricas, a economia política conservadora “Foi abertamente nacionalista e anti-revolucionária, e procurou reprimir o impulso democrático [...] e era a favor de uma sociedade que preservasse tanto a hierarquia quanto as classes [por serem] naturais e dadas”. (p. 87). Por fim, argumentavam que a diluição da autoridade e dos limites de classe resultaria em colapso da ordem social. (p. 88).

Do outro lado, a economia política marxista entendia que o mercado tinha efeitos atomizantes e não garantia a igualdade, como defendia os liberais. (p. 88). Nesse sentido, Dobb (1946) ensinava que “A acumulação de capital despoja o povo da propriedade, [e] o resultado final [seria] divisões de classe cada vez mais profundas”. (p. 88).

Enquanto os liberais temiam que a democracia produzisse o socialismo, os socialistas não lhe davam crédito; contemporaneamente chegaram a comparar as reformas sociais no contexto de uma ordem capitalista a um dique cheio de vazamentos. (p. 88). Dizendo de outra forma, consideravam que as reformas sociais da democracia parlamentar eram contraproducentes, tendiam a deixar brechas, necessidades não atendidas, enfim, a esvaziar-se, e não resolver o problema das desigualdades causadas pelo capitalismo.

O modelo social-democrata


A social-democracia introduziu a política social (welfare state) nos moldes do reformismo da democracia parlamentar , com base nos argumentos de que: 

1) “Os trabalhadores precisam de recursos sociais, saúde e educação para participar efetivamente como cidadãos socialistas; e,

2) “A política social não é só emancipadora, é também uma pré-condição da eficiência econômica” (MYRDAL E MYRDAL, 1936 apud ESPING-ANDERSEN, 1990, p. 89).

Acreditava, ainda, que essa política “[...] resultaria também em mobilização de poder. Ao erradicar a pobreza, o desemprego e a dependência completa do salário, o welfare state aumenta as capacidades políticas e reduz as divisões sociais que são as barreiras para a unidade política dos trabalhadores.” (p. 89 - 90).

Essa política altera o equilíbrio de poder de classe ao permitir que os trabalhadores desfrutem direitos sociais, considerando que “O salário social reduz a dependência do trabalhador em relação ao mercado e aos empregadores, e assim se transforma numa fonte potencial de poder.” (p. 89). Esse processo reforça a tese de que “[...] em última instância, a igualdade fundamental requer a socialização econômica.” (p. 89).

Com base em Marx, “o valor estratégico das políticas de bem-estar neste argumento  é o de que elas ajudam a promover o progresso das forças produtivas no capitalismo”. ( p. 89).

Esping-Andersen concluiu que “O modelo social-democrata é, então, o pai de uma das principais hipóteses do debate contemporâneo sobre o welfare state: a mobilização de classe no sistema parlamentar é um meio para a realização dos ideais socialistas de igualdade, justiça, liberdade e solidariedade”. (p. 90).

A abordagem de sistemas/ estruturalista 

Esping-Andersen ensina que “A teoria de sistemas/estruturalista procura apreender holisticamente a lógica do desenvolvimento [do welfare state]” (p. 91). Por essa razão, atribui esse desenvolvimento à conjuntura estrutural do contexto em que está inserido. Quando estabelece comparações entre as nações, enfatiza “[...] mais as similaridades que as diferenças” em seus aspectos de industrialização ou capitalismo, passando ao largo das “variações culturais ou diferenças nas relações de poder”. (p. 91)

Essa abordagem vê o desenvolvimento do welfare state como resultado do sistema, e em suas leis de movimento. Em outras palavras, “[...] as forças ligadas à modernização, como a mobilidade social, a urbanização, o individualismo e a dependência do mercado”. (p. 91) afetam as instituições que tradicionalmente supriam esse aspecto social, como a família, a igreja, e a solidariedade corporativa, resultando na necessidade lógica de uma política social para suprir a lacuna causada pela desestruturação dessas instituições.

Por outro lado, o welfare state também é possível devido ao “[...] surgimento da burocracia moderna como forma de organização racional, universalista e eficiente”. Esse raciocínio se constitui na lógica do industrialismo. Essa lógica consiste em queo welfare state emerge à medida que a economia industrial moderna destrói as instituições sociais tradicionais”. (FLORA e ALBER, 1981 apud ESPING-ANDERSEN, 1990, p. 91). Porém, essa tese é contestada, visto que “a política social governamental só emergiu 50 e às vezes 100 anos depois de a comunidade tradicional ter sido efetivamente destruída”. (p. 91).

A “Lei de Wagner” (1962) adverte que “É necessário um certo nível de desenvolvimento econômico e, portanto, de excedente, para se poder desviar recursos escassos do uso produtivo (investimento) para a previdência social (wilensky e Lebeaux, 1958). Nessa linha de raciocínio, os liberais antigos entendiam que: “Redistribuição social coloca a eficiência em perigo e só a partir de um certo nível de desenvolvimento é possível evitar um resultado econômico negativo” (OKUN, 1975 apud ESPING-ANDERSEN, 1990, p. 92).

Para O’Connor (1973 Apud ESPING-ANDERSEN, 1990, p. 92) “O novo estruturalismo marxista é similar, visto que considera “o welfare state[...] um produto inevitável do modo de produção capitalista. A acumulação de capital cria contradições que forçam a reforma social”.

A abordagem institucional

Esping-Andersen (1990, p. 93)  nos ensina que “A abordagem institucional insiste que todo esforço para isolar a economia das instituições sociais e políticas destruirá a sociedade humana. Para sobreviver, a economia tem de incrustar-se nas comunidades sociais. Desse modo, Polanyi vê a política social como pré-condição necessária para a reintegração da economia social.”

Essa abordagem é considerada institucional porque “A discussão coloca-se tipicamente sem referência a qualquer classe ou agente social em particular.” (p. 93).

Apóia-se na tese de que, “[...] quanto mais se ampliem direitos democráticos, maior a probabilidade de se desenvolverem os welfare states [...]”. (p. 94). No entanto, essa tese é questionada pelo fato de que, “as primeiras iniciativas importantes no sentido de um welfare state ocorreram antes da democracia e foram poderosamente motivadas pelo desejo de impedir sua realização.” (p. 94) E, ainda, que “o desenvolvimento do welfare state retardou-se mais onde a democracia começou cedo, como nos Estados Unidos, Austrália e Suíça.” (p. 94).

“Em sua formulação clássica, a tese afirmava simplesmente que as maiorias favoreceriam a distribuição social para compensar a fraqueza ou os riscos do mercado.” (p. 93).

A classe enquanto agente político

Esping-Andersen (1990, p. 94, grifo nosso) resgata o que foi afirmado anteriormente neste texto, lembrando que “[...] o argumento em favor da tese da mobilização de classe deriva da economia política social-democrata. [e] Distingue-se da análise estruturalista e da abordagem institucional por sua ênfase nas classes sociais como os principais agentes de mudança e por sua afirmação de que o equilíbrio do poder das classes determina a distribuição de renda.”

E ainda: “A teoria da mobilização de classe supõe que os welfare states fazem mais do que simplesmente aliviar os males correntes do sistema: um welfare state ‘social-democrata’ vai estabelecer por si mesmo as fontes de poder cruciais para os assalariados e assim fortalecer os movimentos de trabalhadores.” (p. 95). Sendo assim, “Os direitos sociais podem fazer as fronteiras do poder capitalista retrocederem.” (p. 95). No entanto, “Saber se o welfare state é em si uma fonte de poder é vital para a aplicabilidade da teoria.”

Nesse sentido, ele argumenta que: “Os direitos sociais, seguro-desemprego, igualdade e erradicação da pobreza que um welfare state universalista busca são pré-requisitos necessários para a força e unidade exigidas para a mobilização coletiva de poder.” (ESPING-ANDERSEN, 1985a Apud ESPING-ANDERSEN,  1990, p. 95).

Objeções à tese da mobilização de classe:

1) “O lócus onde se situa o poder e onde se toma decisões pode mudar do parlamento para instituições neo-corporativistas de mediação dos interesses.” (SCHONFIELD, 1965 Apud ESPING-ANDERSEN, 1990, p. 95);

2) “A capacidade dos partidos trabalhistas influenciarem o desenvolvimento do welfare state é limitada pela estrutura do poder partidário da direita.”;

3) Baseia-se em uma "visão linear do poder” - explicando: “[...] aumento quantitativo de votos, sindicalização ou cadeiras parlamentares[...]”. Pois “Foram muito poucos os casos em que a classe trabalhadora tradicional constituiu-se numericamente em maioria; e seu papel está-se tornando marginal com grande velocidade.” (p. 96). Por essa razão, ele conclui que deve-se “pensar em termos de relações sociais, e não apenas em categorias sociais.” (p. 97).

Do exposto, Esping-Andersen (1990, p. 96) argumenta: “[...] supor que o socialismo seja a base natural para a mobilização dos assalariados” se constitui uma falácia básica da teoria quanto à formação da classe, pois, “Historicamente, as bases organizativas naturais da mobilização dos trabalhadores foram as comunidades pré-capitalistas, as corporações em particular; mas também a Igreja, a etnia ou a língua contam.” 

O que é o welfare state?

Esping-Andersen não se satisfaz com uma definição comum de welfare state apresentada nos manuais, que circunscreve a responsabilidade estatal à garantia do "bem-estar básico dos cidadãos.” Apesar de ser verdadeiro, esse conceito simplifica sua complexidade. Por essa razão, ele levanta alguns questionamentos sobre o welfare state (p. 98), a saber: 

1) As políticas sociais são emancipadoras ou não?
2) Ajudam a legitimação do sistema ou não?
3) Contradizem ou ajudam o mercado?
4) O que significa básico? Ele entende que se deve exigir mais de um welfare state do que apenas a satisfação de nossas necessidades básicas.

Estudos tendem a explicar o welfare state a partir do critério dos gastos. Esse critério, no entanto, é enganoso, por, pelo menos, três razões: 1) há países cujos gastos são altos, porém grande parte dos benefícios é destinada a funcionários públicos privilegiados; 2) há nações que "gastam desproporcionalmente com assistência social aos pobres”; 3) Existem ainda nações que “[...] gastam somas enormes em benefícios fiscais sob a forma de privilégios tributários a planos privados de previdência que favorecem principalmente as classes médias.” (p. 99).

Por outro lado, surpreendentemente, Esping-Andersen observa que “Gastos baixos em certos programas podem indicar um welfare state comprometido mais seriamente com o pleno emprego.” (p. 99).

Daí Esping-Andersen levanta o seguinte questionamento: “Que critérios usar para sabermos se – e quando – um Estado é um welfare state?” (p. 100)

Ele apresenta três critérios sugeridos por alguns teóricos, a saber:  

1) Em um welfare state “[...] a maioria de suas atividades  rotineiras diárias devem estar voltadas para as necessidades de bem-estar de famílias” (THERBORN, 1983 apud ESPING-ANDERSEN, 1990, p. 100). Esse critério é falho, pois países que podem ser classificados como welfare state têm suas atividades rotineiras voltadas para a defesa, a lei, a ordem, a administração e coisas do gênero. (THERBORN, 1983 Apud ESPING-ANDERSEN, 1990, p. 100).

2) No welfare state residual, “O Estado assume a responsabilidade quando a família ou o mercado são insuficientes; procura limitar sua prática a grupos sociais marginais e merecedores; No welfare state institucional, o alvo é “[...] toda a população, é universalista, e personifica um compromisso institucionalizado com o bem-estar social. Em princípio, procura estender os benefícios sociais a todas as áreas de distribuição vital para o bem-estar societário.” (RICHARD TITIMUSS, 1958 apud ESPING-ANDERSEN, 1990, p. 100);

3) Criação de um modelo abstrato para servir como padrão de comparação. Porém, Esping-Andersen observa que esse critério não daria conta do aspecto histórico do desenvolvimento do welfare state.
 
 Proposta de reconceituação do welfare state (p. 101) - Um conceito de welfare state deve envolver três princípios:

1) Cidadania social como ideia fundamental;
2) Garantia legal de direitos sociais e de sua inviolabilidade;
3) As formas de entrelaçamento das atividades estatais “com o papel do mercado e da família em termos de provisão social”.

Direito e desmercadorização

Outro critério também usado para verificar a (in)eficácia do welfare state é a (des)mercadorização. 

A mercadorização das pessoas acontece quando elas têm que vender sua força de trabalho. A desmercadorização acontece quando elas se tornam cada vez mais independentes do empregador e detêm poder de barganha. 

Uma das formas de se chegar a esse estágio é através de uma política social que ofereça previdência e assistência sociais capazes de emanciparem os indivíduos do mercado. Em outras palavras, que esse serviço seja prestado “como uma questão de direito [e] a pessoa pode manter-se sem depender do mercado”. 

Nesse sentido, a “introdução dos direitos sociais modernos [...] implica um afrouxamento do status de pura mercadoria [da força de trabalho]”. (p. 101). Do contrário, “[...] quando os benefícios são poucos e associados a estigma social, o sistema de ajuda força todos, a não ser os mais desesperados, a participarem do mercado. (OGUS, 1979 apud ESPING-ANDERSEN, 1990, p. 102).

O quadro a seguir apresenta uma visão geral do que foi discutido até agora. 

Quadro 1 - Comparativo dos três regimes de welfare state discutidos

Critério/modelo
LIBERAL
CONSERVADOR
SOCIAL-DEMOCRATA
Características

Corporativismo estatal; preservação das diferenças de status;
Compromisso com o bem-estar do cidadão.
Qualidade dos benefícios
Planos modestos de previdência social
Serviços de baixa qualidade;
Serviços e benefícios com níveis compatíveis com as expectativas da classe média
Público alvo
Cidadãos comprovadamente pobres; classe trabalhadora; dependentes do Estado;
Família tradicional
Direitos ligados à classe e ao status.
 Toda a sociedade (universalização dos direitos)
Capacidade de
Desmercadorização
Baixa
Média
Alta
Universalização
Limitada
Limitada
Ilimitada
Consequências

Estigmatização os beneficiados;
Procura por planos privados;
A Reforma social é limitada;
Padrões mínimos de serviço;

Acesso de trabalhadores braçais a direitos idênticos ao dos empregados White-collar;
Alto custo e sobrecarga de serviço social para o Estado;
Condições

Só interfere quando a família não mais der conta das demandas de seus membros;
Demanda edificação de coalizões políticas;
Alta carga tributária para dar conta dos altos custos;
Pleno emprego;
Influência do Setor Privado

“Fortalecimento do mercado, uma vez que todos, menos os que fracassaram no mercado, serão encorajados a servir-se dos benefícios do setor privado”. (p. 103)
Papel secundário
“Este modelo exclui o mercado”’
Exemplos


Estados Unidos, Canadá e Austrália.


Áustria, França, Alemanha e Itália
Alemanha, Suécia, Holanda, Austrália, França, Grã-Bretanha, Nova Zelândia, Bélgica e países escandinavos.

  Fonte: Quadro elaborado com base em Esping-Andersen (1990).
 
Esse quadro ainda está em construção, mas já é possível perceber que o welfare state, cuja idealização, sobretudo no regime social-democrata, visava à diminuição do distanciamento entre classes, acaba por criar estratificações.

Do exposto é possível dizer, em resposta às perguntas que iniciam essa discussão de Esping-Andersen, que a extensão da cidadania social [através do welfare state] não diminui a distinção de classe. Ou seja, o welfare state, apesar dos ganhos evidentes para a sociedade, sobretudo em termos de direitos sociais, não consegue transformar fundamentalmente a sociedade capitalista.

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