BRESSER-PEREIRA,
Luiz Carlos. O Estado necessário para a Democracia possível na América Latina.
Resenha
O tema que norteia a discussão nesse artigo é o problema da democracia e da capacidade do Estado na América Latina. A partir dessa perspectiva, o autor estabelece uma relação diretamente proporcional entre a competência do Estado e a consolidação da democracia. Isto significa que, quanto mais forte política, fiscal, e administrativamente o Estado, mais consolidada será sua democracia.
Nesta discussão,
o autor deixa bem claro que o conceito de “Estado” usado por ele não é o mesmo
que “estado-nação”, ou seja, a unidade político-territorial; ele se refere ao
Estado como Instituição, ou ainda, como “sistema constitucional-legal e a
organização que o garante”. (p. 4).
Outro
referencial que norteia essa discussão é o ideal das democracias no Estado
moderno. Bresser resume esse ideal em cinco “pilares”, que consistem em
garantir: 1) a segurança; 2) a liberdade; 3) o bem-estar; 4) a justiça social;
e 5) a proteção da natureza.
Ele postula que
o Estado capaz de atingir esses objetivos necessita que “internamente [tenha]
um sistema constitucional-legal democrático e uma organização ou administração
pública equilibrada do ponto de vista fiscal, e competente do ponto de vista
administrativo; externamente [...] contar com a legitimidade derivada do apoio
da sociedade civil ou da nação”. (p. 4).
Outro conceito
muito importante desenvolvido por ele, é o de sociedade civil, ou seja, a sociedade politicamente organizada,
responsável pela busca de “liberdade, justiça social e proteção do meio
ambiente”. (p. 5), que ele aponta como tendo papel
decisivo na luta pela democracia na América Latina. Nesse ponto, ele postula
também que, “para termos um Estado democrático precisamos de uma sociedade
civil democrática”. (p. 6).
Historicamente
vista com desconfiança pelos estadistas e filósofos, a democracia, hoje, “É o
regime político que melhor assegura a consecução dos grandes objetivos
políticos das sociedades modernas”. (p. 6). Ele observa
ainda, que o regime democrático é a forma que o Estado moderno assume.
É importante
notar a associação que o autor faz entre a prosperidade (estabilidade)
econômica e desenvolvimento político, à maior efetividade e maior participação
da democracia (p. 6). Por essa razão, países pobres enfrentam maiores
dificuldades em consolidar suas democracias.
Muito vinculada
a essa ideia de prosperidade econômica está a associação que o autor estabelece
entre o desenvolvimento da democracia e do Estado com a revolução capitalista.
Isto porque, segundo ele a revolução capitalista transforma a economia, a
sociedade e a política. (p. 6).
O autor traça uma linha do tempo da evolução do Estado moderno, a saber: Estado Absoluto (Séc. XVI - XVIII), Liberal (Séc. XIX), Democrático Liberal (Séc. XX), e Democrático Social (2ª metade do Séc. XX, nos países europeus).
Ele observa que também
aconteceu uma evolução do Estado nos países da América Latina. Essa evolução, porém não aconteceu na
mesma medida e da mesma forma, pois esses países tinham grandes desvantagens políticas
e econômicas em relação aos demais países que experimentaram a evolução acima
descrita, pois eram colônias e eram pobres. Dessa forma, após suas respectivas
independências, deram lugar, não a um Estado Liberal, mas ao Estado Desenvolvimentista,
com regime ainda autoritário.
Nesses países,
ao invés do Estado Absoluto, tem-se o Estado Oligárquico durante mais de um
século, passando, então para Estados Desenvolvimentistas no Séc. XX, com a
revolução capitalista, porém ainda sob regime autoritário.
Considerando
que, nem mesmo os países ricos, e que vivenciam um estágio democrático bastante
avançado e consolidado, estão satisfeitos com o padrão democrático que
alcançaram; e, considerando ainda, que o padrão estabelecido para se considerar
um país democrático varia de acordo com interesses políticos e econômicos, o
autor adota um conceito mínimo de democracia, que consiste na garantia: 1) das
liberdades; 2) do sufrágio universal; e 3) da alternância de poder. Além disso,
também é otimista quanto à evolução da
democracia, ou seja, através de um desenvolvimento político ela se torna mais
representativa e mais participativa. (p. 8), e cita como exemplo desse
desenvolvimento, as democracias da Europa, configurada como de opinião pública
e social.
Ainda nessa
lógica, ele desenvolve o conceito de Democracia
Possível. Para ele, a consolidação da democracia está condicionada a alguns
fatores cruciais, a saber: 1) contar com o apoio da sociedade civil (legitimidade);
2) desvincular o público do privado; 3) liberar o Estado do controle direto das
elites; 4) passar o excedente econômico a ser apropriado na economia de
mercado, através do lucro; 5) alcançar o estágio em que a revolução capitalista
se completa com a industrialização. (p. 9).
É curioso notar
que, apesar de o capitalismo ser um regime econômico fortemente criticado pelas
injustiças sociais resultantes de sua lógica perversa, segundo Bresser (p. 11) “A consolidação da democracia, [...] depende de o país haver completado
sua revolução capitalista”.
A ausência
desses fatores, a pobreza e o baixo nível de educação política do povo
caracterizam os chamados Estados “fracassados” ou “fracos”.
O autor discorre
sobre o populismo, como “uma forma muito primitiva de participação política
popular”. Nessas democracias emergentes, a resistência das elites ainda é
grande, e busca desacreditar e “derrubar”
o líder popular, para voltarem a ter o controle direto do Estado,
ameaçando, assim, a “democracia possível” nesses países.
Bresser
ressalta, porém que “a possibilidade de que o líder populista faça um bom
governo é pequena”. Isto porque a conjuntura social, política e econômica, ou
seja, o baixo nível de educação e de consciência política, e o endividamento do
Estado, não favorecem. Esse contexto tem
sido propício a golpes de Estado.
Qualidade da democracia
Bresser argumenta
que “Se os cinco objetivos políticos fundamentais das democracias são
segurança, liberdade, bem-estar, justiça-social e proteção do ambiente, um país
será tão mais desenvolvido e tão mais democrático quanto mais equilibradamente
se aproximar desses ideais. Uma democracia será tão mais desenvolvida quanto
mais representativa e participativa senão deliberativa for”. (p. 18).
Ele se ancora no
critério mínimo para se considerar um determinado regime como democrático, a
saber: “Se nele há respeito às liberdade civis ou ao Estado de direito, se as
eleições são livres e competitivas, e se há alternância de poder”. (p. 19).
Estado capaz e republicano
Bresser
desenvolve o conceito de Estado capaz e republicano, caracterizando-o como um
estado forte e capaz, voltado ao desenvolvimento econômico, político, social e
ambiental. Que tem sua democracia consolidada, pois conta com legitimidade perante
a sociedade civil, possui finanças saudáveis e administração efetiva e
eficiente, e onde há garantia crescente dos direitos sociais. E ainda, que
possui instrumentos internos que defendem “a coisa pública” da ação corrupta de
indivíduos e organizações, ou seja, é capaz de defender o patrimônio público.
Por essa razão,
para ele o grande desafio da maioria dos países latino-americanos para
consolidar suas democracias é a pobreza.
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