sábado, 25 de maio de 2013

Estado de direito: princípios

Este texto corresponde à quarta e última parte da Resenha elaborada a partir do Capítulo "Reconstrução do Direito: Princípios do Estado de Direito". In: HABERMAS, Jünger. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tomo 2,  p. 169 a 240. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

Dentro de sua proposta de "Reconstrução do Direito", Habermas apresenta e discute alguns princípios que devem ser observados na fundamentação e aplicação das normas jurídicas, bem como princípios que caracterizam o Estado democrático de direito, sempre tendo em mente a questão da legitimidade.

Princípios a serem observados na fundamentação das normas jurídicas

Princípios deontológicos [1] da teoria moral – Esses princípios "impedem [...] qualquer interpretação teleológica [2] de mandamentos morais" (p. 193). Ou seja, parte-se do pressuposto de que os "mandamentos morais são certos",  sendo essa a razão porque devemos segui-los, "e não porque esperamos obter, através deles, a realização de certos fins - mesmo que esses fins visem à felicidade pessoal suprema ou o bem-estar coletivo." (idem). 

Por exemplo, “Questões de justiça referem-se a pretensões contestadas em conflitos interpessoais, que nós podemos julgar imparcialmente à luz de normas válidas. Essas normas, por sua vez, têm que passar por um teste de generalização que examina o que é igualmente bom para todos” (p. 193). E ainda, “O ponto de vista moral transcende as fronteiras de qualquer comunidade jurídica concreta”. (p. 228) 

Princípio da igualdade da aplicação do direito – “[...] dirige-se a muitos destinatários; e excluem privilégios ou discriminações na aplicação”. (p. 194). 

Princípio da universalização - “Obriga os participantes do discurso a examinar normas controversas, servindo-se de casos particulares previsivelmente típicos; para descobrir se elas poderiam encontrar o assentimento refletido de todos os atingidos”. (p. 204). 

Princípio do discurso –  por meio desse princípio, qualquer norma de ação deve ter sua validade submetida “ao assentimento daqueles que, na qualidade de atingidos tomam parte em ‘discursos racionais’.” (p. 199).

Os discursos obedecem à lógica da argumentação, que se constitui em: 

a) questionamentos pragmáticos; 
b) formação de compromissos e discursos éticos; 
c) clarificação de questões morais;
d) controle jurídico das normas.

Dessa forma, as matérias a serem reguladas pelo direito possuem aspectos pragmáticos, éticos e morais. São esses aspectos que exercem influência sobre a razão e a vontade do legislador.

Segundo Habermas (p. 206) os “Discursos pragmáticos abrangem somente a construção e a avaliação das consequências de possíveis programas, não a formação racional da vontade, a qual só pode aceitar uma sugestão quando se apropria dos fins e valores hipoteticamente pressupostos”.

Os discursos que tratam de matéria moralmente relevante devem submeter “os interesses e orientações valorativas conflitantes a um teste de generalização no quadro do sistema de direitos interpretados e configurados constitucionalmente”. (p. 206 – 207).

Os discursos que tratam de matéria com questionamentos eticamente relevantes devem ser “[...] de auto-entendimento, [e passar] pelos interesses e orientações valorativas conflitantes, e numa forma de via comum que traz reflexivamente à consciência concordâncias mais profundas”. (p. 207).

O princípio do discurso possui outros aspectos igualmente importantes, que são: 

a) Sua ética visa a “tornar consciente aquilo que já está pressuposto em todo o discurso, a saber, a possibilidade da razão, a qual depende da manutenção das regras do discurso”. (p. 198); 
b) “O caminho do princípio do discurso [...] deve garantir um consenso não-coercitivo”. (p. 208);
c) O princípio do discurso dá suporte ao poder comunicativo; 
d) “para que o princípio do discurso seja levado em conta por todos sem exceção [é preciso que] todos os programas negociados e obtidos discursivamente [sejam coerentes] com aquilo que pode ser justificado moralmente”. (p. 209).

Princípio da justiça - consiste em que, uma norma é considerada justa “Quando todos podem querer que ela seja seguida por qualquer pessoa em situações semelhantes”. (p. 203). E ainda, “Antes de querer ou aceitar um programa, é preciso saber se a prática correspondente é igualmente boa para todos. (p. 201).

Princípios que caracterizam o Estado de direito

Os princípios expostos acima dizem respeito à fundamentação das normas jurídicas; os que serão expostos neste tópico dizem respeito à caracterização do Estado de direito.

Na perspectiva de Habermas (p. 212), “É possível desenvolver a ideia do Estado de direito com o auxílio de princípios segundo os quais o direito legítimo é produzido a partir do poder comunicativo e este último é novamente transformado em poder administrativo pelo caminho do direito legitimamente normatizado”.

Princípio da soberania popular - Este princípio atua como um “guarda-chuva” sob o qual se encontram outros princípios, a saber:

a) o princípio da ampla garantia legal do indivíduo, proporcionada através de uma justiça independente;

b) os princípios de legalidade da administração e do controle judicial e parlamentar da administração.

Esses princípios estão alinhados com o princípio da proibição da arbitrariedade no interior do Estado. Isto significa dizer que “Qualquer ato administrativo, decretado ou recusado, pode ser transformado em objeto de uma ação anulativa, contestatória ou cominatória”. (p. 218). Bem como: “A reserva de lei faz com que estatutos, ordens, prescrições e medidas que contradizem uma lei sejam nulos”. (p. 216 – 217).

Consistem, ainda, em que “a execução administrativa deve se limitar rigorosamente a uma concretização do conteúdo  normativo geral, de modo adequado às circunstâncias”. (p. 236).

c) o princípio da separação entre Estado e sociedade, que visa a “impedir que o poder social se transforme em poder administrativo, sem passar antes pelo filtro da formação comunicativa do poder”. (p. 212).

d) o princípio parlamentar, ou seja, de representatividade, justificado pela impossibilidade de os cidadãos exercerem seu poder comunicativo “no nível de interações simples e diretas”. (p. 213).

Aqui vale destacar a advertência de Habermas no sentido de que “O equilíbrio político de interesses exige a escolha de delegados encarregados das tarefas de formação de compromisso; o modo de escolha deve cuidar para que haja uma representação equitativa de situações de interesses e de preferências dados”. (p. 228). E ainda, que “As corporações parlamentares devem trabalhar sob os parâmetros de uma opinião pública que, de certo modo, é destituída de sujeito”.(p. 229). Donde a grande responsabilidade de os representantes do povo estarem afinados com seus anseios.

Princípio do pluralismo político – resultante da lógica do discurso, constitui-se em um dispositivo para abertura às diversas opiniões e representações por meio de partidos políticos, ampliando, dessa forma, o alcance do poder comunicativo.

Princípio da responsabilidade democrática - Esse princípio visa ao bloqueio de “uma intervenção direta do poder social no poder administrativo”. (p. 219). E sua observância é demandada, sobretudo, dos “detentores de cargos políticos em relação aos eleitores e aos parlamentares”. (idem).

Por fim, Habermas deixa uma reflexão importante sobre a eficácia dos princípios por ele expostos:

“Para se transformarem numa força impulsionadora do projeto dinâmico da realização de uma associação de livres e iguais, os princípios do Estado de direito devem situar-se no contexto da historia de uma nação de cidadãos e ligar-se aos motivos e aos modos de sentir e de pensar deles”. (p. 229).

Outras partes desta resenha Primeira  ; Segunda; Terceira  

VOCABULÁRIO

1 Princípios deontológicos - de Deontologia, que consiste em "uma teoria sobre as escolhas dos indivíduos, quais são moralmente necessárias e serve para nortear o que realmente deve ser feito". Fonte: significados.com.br.

2 Interpretação teleológica - "É um método de interpretação legal que tem por critério a finalidade da norma. De acordo com esse método, ao se interpretar um dispositivo legal deve-se levar em conta as exigências econômicas e sociais que ele buscou atender e conformá-lo aos princípios da justiça e do bem comum. Está expresso no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil". Fonte: Investidura Portal Jurídico.

É isso aí pessoal. 

Espero que tenham gostado desta série de artigos sobre as ideias de Habermas quanto à legitimidade do Estado e do direito. Espero que sejam úteis para todos os que estiverem precisando pesquisar sobre essa temática.



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Um abraço fraterno. 


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