quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Educação em Primeiro Lugar



Por muito tempo, a causa da educação universal foi colocada em segundo plano em relação a outros movimentos internacionais por mudança. Agora, por duas novas razões que estão no coração do lançamento do programa “Education First” (Educação em Primeiro Lugar) de iniciativa do Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon, a educação retornou ao topo do seu lugar de direito na agenda política global.

A primeira e principal razão é que os próprios jovens têm se tornado os maiores defensores de uma educação universal para meninas e meninos. Recusando-se ficar calados diante da negação de oportunidade, os jovens – particularmente as garotas – lançaram uma das grandes lutas por direitos civis de nosso tempo. 

Poucos poderiam ficar imóveis diante da brava luta da jovem paquistanesa Malala Yousafzai, depois que o Taliban atirou em sua cabeça porque ela insistia no direito de jovens garotas por educação. Poucos deixaram de notar a manifestação pública massiva em apoio no Paquistão e em outros lugares favoráveis à causa pela qual ela está lutando.  

Da mesma forma, temos também visto em meses recentes a criação por alunas em Bangladesh de zonas de crianças livres de casamento, com o objetivo de defender os direitos de garotas permanecerem na escola ao invés de se casarem contra sua vontade. Na Índia, a Global March Against Child Labor (Marcha Global contra o Trabalho Infantil), liderada pela defensora dos direitos das crianças Kailash Satyarthi, resgatou milhares de jovens garotos e garotas de uma vida de escravidão em fábricas, oficinas, e serviço doméstico, e tem assegurado seu retorno à escola.

Essas manifestações por garotos e garotas exigindo seu direito por educação tem tornado a luta pela escolaridade básica impossível de se ignorar. Consequentemente, todo governo agora se sente sob pressão ainda maior para colocar em prática as Metas do Millennium Development Goals (Metas do Milênio para o desenvolvimento global) (“alcançar a universalidade da educação primária”) até o fim do ano de 2015.  

Mas uma segunda força mundial também tem impulsionado a educação para o centro da agenda política da maioria dos países: o aumento do reconhecimento da importância dado a educação por aqueles que analisam a razão de os países serem bem sucedidos ou não. Por anos, acadêmicos têm debatido se cultura, instituições, ideologia, ou recursos levam alguns países a ficar para trás. Hoje, um número crescente de escritores, pesquisadores, e responsáveis pela criação de políticas vêem uma ligação crucial entre educação e sucesso econômico de um país.

O emprego do capital humano tem se tornado um fator importante para explicar porque alguns países continuam emperrados em uma “armadilha de renda média” e porque outros não conseguem romper o status de baixa renda. E pesquisas que avaliam o capital humano de um país têm seu foco na quantidade e qualidade das habilidades básicas, mão de obra especializada, e domínio em pesquisa e desenvolvimento.

Colocar a educação em primeiro lugar é urgente diante da quantidade de talento e potencial desperdiçado em todo o mundo. Em torno de 57 milhões de crianças ainda não vão a escola, 500 milhões de garotas nunca concluirão a educação secundária, e 750 milhões de adultos continuam analfabetos. 

A relação entre educação e sucesso econômico torna o investimento em escolaridade e treinamento uma questão altamente importante para os negócios também. Em 2020, de acordo com o Instituto Global McKinsey, enfrentaremos os twin problems  (problema duplo) de um déficit de até 40 milhões de trabalhadores com altas habilidades e um excedente de até 95 milhões de trabalhadores com baixas habilidades. Em 2030, a mão de obra global de 3,5 milhões incluirá um número estimado de um bilhão de trabalhadores sem a educação secundária, prejudicando significativamente as perspectivas econômicas de seus países. 

Como resultado, sem uma intervenção urgente, os negócios possivelmente enfrentarão um enorme escassez de competências, especialmente nos mercados emergentes e países em desenvolvimento, onde a maior parte das atividades econômicas estarão concentradas. De fato, a taxa de analfabetismo adulto na Somália é de 63% e de 39% na Nigéria; no Suldão do Sul, mais garotas morrem durante o parto do que completam a educação primária.

A menos que atuemos, em meados deste século a economia global será caracterizada por uma enorme perda de talento e desigualdade de oportunidades. De acordo com os novos números do próximo livro do Wittgenstein Center’s (Centro Wittgenstein) World Population and Human Capital in the 21st Century (População Mundial e Capital Humano no 21º Século), projeta-se que apenas 3% dos adultos jovens no Mali e em Moçambique terão educação superior em 2050; a proporção esperada para a Nigéria, Libéria, Ruanda, e Chade é de 4%, e apenas 5% no Malawi e Madagascar. Enquanto a projeção para a América do Norte como um todo é de 60%, a previsão para a África-subsaariana é de 16%.

Esses números revelam um mundo dividido entre os que têm e os que não têm oportunidade de educação, um potencial enorme de repercussão não apenas na escassez de competências e prejuízo econômico, mas também em termos de estabilidade social. As palavras de Earl Waren, ex-Chefe da Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos, em Brown v. Board of Education (Brown versus Conselho de Educação), que detonou a base legal da segregação racial nas escolas públicas Américas, permanecem relevantes hoje: “É duvidoso esperar-se, razoavelmente, que qualquer criança possa ser bem sucedida na vida se lhe for negada a oportunidade de educação”. Como Waren coloca: “Tal oportunidade [...] é um direito que deve ser colocado à disposição para todos em iguais condições”.

Temos pouco mais de dois anos para tornar a educação básica, de um privilégio de alguns para um direito de todos. O Secretário Geral Ban e eu estamos determinados que todos os dias, até a data final de dezembro de 2015, nós trabalharemos duro o quanto for necessário para assegurar que toda criança esteja na escola.

Texto original entitulado Putting Education First, de autoria de Gordon Brown, postado em 15/11/2013. 

Nota:
Considerando as peculiaridades culturais, geográficas e econômicas dos diversos países do mundo, não precisa muito esforço especulativo para concluir que essa meta não será alcançada dentro do prazo estabelecido. Como sempre, a temática da educação é muito rica no discurso, chegando às vezes às raias da utopia. Na prática a realidade apresenta um abismo enorme. Mas vamos continuar acreditando que paulatinamente a educação de qualidade e para todos seja uma realidade em todas as nações.


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